Vasco

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domingo, 3 de setembro de 2017

HISTÓRIAS DO KIKE - PRIMEIRO FLA

O Rio de Janeiro da última década de 1800 tinha menos de 600 mil habitantes e a sua hoje mais famosa região, Copacabana, começara a ser percorrida por bondes, com a abertura de um túnel, em Botafogo. Os homens se vestiam com fraques, palastrão (?), colarinhos duros e altos, coletes e passavam vaselina nos bigodes. Passeios aos Jardins Zoológico e Botânico, e ao bairro de Laranjeiras eram programões. Teatros havia uma meia-dúzia, mas cafés com música muitos. E três sociedades carnavalescas que arrumavam pretextos para terem finais de semana bem badalados e etílicos.

O carioca daquela época adorava apostas. O faziam no turfe, nos cafés e nos frontões, onde rolavam jogo de pelota bascas, surgidos na Espanha do Século 18, usando-se um objeto para rebater bola batida na parede, Pelo final daquela década, a cidade tinha vários jornais, como Gazeta de Notícias, O Paiz, Jornal do Comércio, A Notícia e o Jornal do Brasil, que registravam serem as ruas Gonçalves Dias e do Ouvidor  as de maior movimentação, em seus finais de tarde, com grande afluência a três confeitarias badaladíssimas, entre as quais a ainda existente Colombo. Por aqueles tempos e pelos inícios das manhã, rapazes musculosos surgiam pelas praias de Santa Luzia, Flamengo e Botafogo carregando barcos acima de suas cabeças e usando camisa decotadas e colorida. Eles cruzavam com moças e coroas que ia ao banho de mar, quase sempre, por recomendação médica. Elas usavam calças largas de baetas ásperas, que batiam nos tornozelos e até cobriam o peito dos pés. Se metiam em blusões de mesmo tecido, com gola larga e um laço tipo gravata, para esconder o busto. Também, usavam toucas ou chapelões, cobrindo cabelos compridos nunca soltos. Mais? Sapatos de lona presos às canelas por fitas entrelaçadas – que horror, seria hoje!     

 Alguns historiadores dizem que a primeira casa de pedra e de cal da cidade foi erguida pelo almirante francês e diplomata Nicolas Durand de Villegaignon, também cavaleiro da Ordem de Malta, considerado por muitos deles o verdadeiro fundador do Rio de Janeiro, pois o primeiro governador-geral,  Estácio de Sá, chegou por lá 11 viradas de calendário depois. Pelas imediações daquela construção, havia o que foi, inicialmente, chamado praia do Carioca, depois praia do Sapateiro Sebastião Gonçalves e, a partir e 1648 praia do Flamengo. Sobre o nome, há divergências, com uns afirmando advir de pássaros vermelhos e pernaltas, de bico forte e que avevoavam por ali. Outros vão na cola de prisioneiros holandeses transferidos para a área, após a libertação, pelos portugueses, da capitania e Pernambuco, no século 17. Além disso, após a independência brazuca, o oficial alemão Carl Schilchthrost, do batalhão estrangeiro do Primeiro Império, via por ali voando “flamingos, com suas cores brilhantes”.    

Tempos depois, quando os bondinhos puxados por burros já iam mais longe, o mar ainda beirava o casario perto da praia do Flamengo, um areal de quase 30 metros de largura, tendo pela frente rua estreita e calçada por pedras largas. Naquelas arreias, a rapaziada aproveitava as luas claras para cantarem serenatas. Enfim, com a praia do Flamengo muito movimentada durante os verões, as noites eram bastante usadas para passeios Pelo Largo do Machado. E foi nos bancos do local que o guarda-livros Nestor de Barros, o auxiliar de escritório advocatício José Agostinho Pereira da Cunha e o estudante Mário Espínola, que remavam juntos por barcos alugados, pensaram a formação de uma associação para representar a praia do pedaço. Muito contribuiu, também, pra´quilo, a turma da vizinha praia de Botafogo ter um grupo que, as vezes, passava por eles, a bordo de uma baleeira, gritando: “Cadê vocês?”     

  Era setembro de 1895, quando o papo foi ganhando adesões, a rapaziada animou-se em comprar  um barco de segunda ou terceira mão e juntou-se 400 mil reis, rateados entre os autores da ideia e mais José Félix da Cunha Menezes e Felisberto Laport. Comprou-se baleeira a cinco remos, batizado por Pherusa, bastante rodada e precisando de reparos. O barco, que era guardado no corredor do prédio de Nº 22 da praia o Flamengo, onde um do inquilinos era Nestor de Barros, foi levado para um armador que cobrou 250 mil reais pelo conserto no porto de Maria Angu – região aterrada que fez surgir a Avenida Brasil e a praia de Ramos.

Grande animação da rapaziada. Até o dia 6 de outubro, quando Mário Espínola, Nestor de Barros, Zé Agostinho, Zé Félix, Felisberto Laport, Napoleão de Oliveira, Maurício Rodrigues Pereira e Joaquim Leovigildo da Cunha Bahia foram busca-la. Por volta das 12h30, deixaram a Ponta do

Caju. Lá pelas tantas o céu se arretou, fechou a cara, os ventos cessaram e relâmpagos e trovões infernizaram a vida da moçada. Coitada da Pherusa. De novinha em folha, virara uma velha coroca, furada pela fúria das ondas que a deixaram de quilha par cima. O Bahia, exímio nadador, saiu à procura de ajuda. Passadas quatro horas, o céu abriu a cara, o nevoeiro sumiu e Mário Espíndola subiu ao barco, fez acenos com uma camisa branca e foi avistado pela lancha Leal, que saía de uma festa na Penha, cheia de moças bonitas. A novamente esculhambada Pherusa foi rebocada para o Cais Faroux. Mas terminou roubada, não deixando uma lasquinha sequer do começo da história das flamenguicices.

Como todos se salvaram do desastre com a Pherusa, inclusive o intrépido Joaquim Bahia que nadara até a Ilha de Bom Jesus, para narrar a desventura à Delegacia da 18º Circunscrição,  os rapazes só reclamaram de uma coisa: foram chamados pelo Jornal do Comércio - de 9 de outubro daquele 1895 -, por “seis indivíduos, que “dirigiam-se em um bote para a praia do Flamengo”. Indivíduos era termo de noticiário policial, e eles haviam sido verdadeiros heróis do futuro Grupo de Regatas do Flamengo. Heróis, também, nos bolsos, pois Zé Agostinho, Zé Félix, Laport e mais George Leuzinger juntaram 500 contos de réis e compraram baleeira a quatro remos, que deram o nome de Scyra e ficou guardada em um ponto para banhos de mar, o High-Life, na esquina de Barão de Flamengo, onde hoje há um “mar de edifícios”.   

 Chegado novembro, a rapaziada marcou para o dia 17 a fundação do Grupo de Regatas do Flamengo, no mesmo corredor do prédio de número 22. Às 15 horas, já estavam por lá todos os convocados – Nestor de Barros, José Agostinho Pereira da Cunha, José Felix da Cunha Menezes, Mário Espínola, Napoleão Coelho e Oliveira, Francisco Lucci Colás, Felisberto Cardoso Laport, José Maria Leitão da Cunha, Carlos Sardinha, Eduardo Sardinha, Maurício Rodrigues Pereira, Desidério Guimarães, George Leuzinger e Emygdio José Barbosa -, além de Domingo Marques de Azevedo, que não fora chamado e passara, por acaso, pelo local. Detalhe: aderiu e foi eleito presidente, por aclamação e sendo candidato único – dos três “pensantes”, só Nestor de Barros entrou na primeira diretoria, como secretário.

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